sexta-feira, 24 de julho de 2009

Seminário da APSEducação/SEPE

A reorganização do movimento sindical e os desafios da classe trabalhadora.
Vivemos uma profunda crise no movimento sindical. As várias transformações ocorridas no mundo do trabalho e a adaptação político-ideológica da CUT às teses neoliberais foram decisivas para isso. Esse processo começa no início dos anos 90 e se aprofunda com o Governo Lula.
A crise do referencial socialista criou o ambiente político-ideológico para a agudização da crise do sindicalismo no Brasil, que se agravou de maneira substantiva com a chegada do PT (Lula) ao governo levando à perda total de autonomia da CUT, em relação ao governo, princípio fundacional da central. Essa crise do referencial reforçou tendências sempre presentes no meio sindical de aceitação das relações capitalistas de produção – o regime de trabalho assalariado – não só como o marco, mas também como o horizonte e do limite no qual se deve dar a ação sindical, bem como a visão que a luta pelo poder está limitado aos marcos do sistema capitalista e sua forma de organização do Estado.
Muitos que integram a APSeducação são filiados ao PSOL e avaliam que o partido, devido ao pouco tempo de existência e pouca trajetória comum dos coletivos que o constituíram, apresentou-se diante da crise do movimento sindical de maneira fragmentada. Saímos do I Congresso com militantes na Conlutas, na Intersindical e com divergências acentuadas sobre os rumos que deveriam ser trilhados para a reversão da dispersão do movimento. No entanto, a realização da Conferência Nacional Sindical representou um marco importante neste processo. Foi um primeiro e sincero esforço para elevar a unidade partidária. Suas resoluções orientaram a intervenção dos nossos militantes e provocaram deslocamentos importantes no mundo sindical. Destacamos a intervenção unitária no fórum da Intersindical, defendendo que era tarefa prioritária a construção de uma nova ferramenta unitária. Essa proposta foi vitoriosa no debate e provocou um distanciamento político dos companheiros da ASS e do PCB, mas indicou que unidos temos capacidade para influenciar os destinos do movimento.
No contexto da fragmentação, ressaltamos, também, como um fato significativo, a decisão dos companheiros do MTL, do MES e dos Prestistas de saírem das fileiras da Conlutas. Ao contrário do que pode parecer, a saída dos companheiros diminuiu a pressão interna para uma incorporação dos setores psolistas naquela ferramenta e mostrou todos os seus limites.
A realização da plenária sindical durante o Fórum Social Mundial de Belém foi outro marco neste debate. Foi uma retomada de um esforço conjunto que desfechou um processo de lutas unitárias contra a crise e deu uma demonstração do peso social dos setores partidários, que mesmo desunidos em termos de espaços imediatos, vão afunilando uma certeza: criar uma nova central é fundamental para que os trabalhadores não paguem pela crise. Neste caminho estão presentes os diversos setores que compõem a Conlutas, a maioria dos setores da Intersindical, MTL, Prestistas, setores do movimento popular e da igreja, além de vários setores independentes. E a plenária mostrou que este debate não acontece no abstrato e se sustenta na promoção de ações unitárias, como foi o dia 30 de março, essenciais para estreitar laços e colocar as classes trabalhadoras em movimento.
Recentemente estes setores realizaram um Seminário Nacional em S. Paulo, que definiu os pontos consensuais, os que precisam ser aprofundados e as divergências. Foi um rico debate! Mas a grande divergência persiste e está relacionada com a natureza e caráter da central, se sindical ou sindical e popular; se envolvendo os setores estudantis ou não.
A criação de uma nova central deve se constituir numa profunda reflexão sobre os princípios sindicais que orientarão a reorganização das classes trabalhadoras em nosso país. Para nós este debate deve se pautar pelos seguintes pontos:

a) Democracia — o trabalho sindical só acumula na direção da transformação social se impulsionar, aprofundar, radicalizar e exercitar, em todas as suas ações, a democracia como um valor irrenunciável;
b) Unidade — a luta sindical para ser potente, precisa da adesão da totalidade dos trabalhadores e trabalhadoras de cada ramo, área ou categoria. Nesse sentido, é uma luta que terá tanto mais força contra o patronato ou contra o governo, quanto ela seja capaz de articular a totalidade das trabalhadoras e dos trabalhadores envolvidos, independentemente de concepção política, filiação partidária, religiosa, raça, gênero etc;
c) Desatrelamento, autonomia e independência política e financeira face às classes dominantes e ao Estado;
d) As entidades sindicais devem ser igualmente autônomas e desatreladas em relação aos partidos políticos – Dizer isso, contudo, é diferente de reivindicar a despartidarização dos/das militantes sindicais, que, ao contrário, deve ser combatida como uma explícita hipocrisia burguesa;
e) Sindicatos únicos na base — em oposição ao pluralismo sindical, defendemos entidades únicas, com funcionamento baseado na obediência rigorosa aos princípios da democracia dos trabalhadores e trabalhadoras;
f) Uma ação para todas as dimensões da vida – a ação sindical que defendemos está longe de limitar-se ao espaço do local de trabalho ou ao da reivindicação de direitos trabalhistas, previdenciários e políticos corporativos. Compreendendo que a luta sindical deve estar a serviço da disputa de hegemonia na sociedade em prol do socialismo, ela deve ir do trabalho, à habitação, à atividade pública, ao lazer e às relações sociais;
g) A classe e a categoria como sujeitos da luta — mas, a luta sindical não é a luta da direção; é a luta dos trabalhadores e trabalhadoras. Não é o resultado das “ações de efeitos especiais” do “dirigente combativo fulano ou beltrano”, da liderança carismática sicrana, do “negociador habilidoso “x” ou de um brilhante orador ou oradora qualquer (ainda que esses atributos sejam muito importantes, quando postos a serviços da luta). Uma direção sindical verdadeiramente socialista é aquela que estimula, faz crescer e sabe valorizar as lideranças que emergem do meio do povo. Mas, tal direção só se concretiza enquanto tal — isto é, como dirigente a serviço da revolução e do socialismo — se ela trabalha férrea e verdadeiramente para fazer com que a categoria, o conjunto dos representados sejam envolvidos cotidianamente nas ações da entidade, de tal modo a que se sintam os verdadeiros sujeitos e protagonistas (até porque de fato, em última instância, é assim) dos sucessos e insucessos das lutas;
h) Contra a diferenciacão social e econômica do dirigente enquanto dirigente — O sindicalismo não é uma carreira, mas uma opção que se assume como militante. Para tanto precisam dispor de condições materiais e políticas, mas a ação sindical não pode ser um meio que separe, diferencie economicamente o/a dirigente da sua base, sob pena de estimular a burocratização e a oligarquização da vida sindical e instalar uma contradição irremovível com a luta pelo socialismo;
i) Permanente imersão na realidade dos trabalhadores e trabalhadoras — uma direção ou um sindicalismo que se quer realmente revolucionário só se concretiza enquanto tal se for capaz de refletir e traduzir, em cada momento da luta, as pulsações reais da vida concreta dos trabalhadores/trabalhadoras, se estiver permanentemente considerando o estágio de consciência, as idas e vindas, os humores e as demandas mais sentidas pela base, trabalhando a partir daí, para sintonizar tal situação com a luta geral dos oprimidos, buscando articular tal luta a uma estratégia e a um programa revolucionário;
j) Combatividade na ação — um sindicalismo voltado para somar-se à luta pela emancipação do proletariado, a par da firmeza de princípios, é aberto e flexível em relação à forma de luta a ser empregada em cada ação. A luta é o princípio; a forma que esse embate toma é um meio do qual se lança mão em conformidade com as conveniências do movimento. Em abstrato, não existe forma de luta mais ou menos combativa. Combativa é aquela luta capaz de colocar os trabalhadores e trabalhadoras em movimento, pôr os inimigos de classe contra a parede e de favorecer a obtenção de vitórias. Todavia, existem formas de luta que são mais ou menos complexas. Este é o caso da greve — a forma de luta clássica dos assalariados, aquela que os patrões mais temem e a que mais ensina aos trabalhadores e trabalhadoras. A greve é como uma batalha que concentra e revela todos os movimentos de uma guerra. E uma forma de luta que ensina muito mais do que milhares de discursos e milhões de panfletos (ainda que tudo isso seja fundamental para o sucesso da luta). Ela educa os trabalhadores e trabalhadoras porque, em geral, é nela que os conflitos de classe e os seus diversos agentes aparecem sem os disfarces e sem o encobrimento com que se manifestam no cotidiano;
k) Transparência, franqueza e verdade — para os/as socialistas um princípio fundamental de conduta é, ao lado da prestação de contas, um comportamento transparente e franco na relação com a base. É não temer ser verdadeiro/verdadeira nas relações com os trabalhadores e trabalhadoras. Como se assinalou anteriormente, o que conta para uma direção revolucionária é fazer com que os trabalhadores e as trabalhadoras avancem na conquista de suas reivindicações, em termos de ganho de consciência e de fortalecimento da posição geral da classe, na luta contra a exploração e a opressão. Nesse sentido, a ação revolucionária é incompatível com o blefe e a demagogia diante da classe;
l) Prática internacionalista cotidiana — em nenhum instante podemos deixar de agir com base na compreensão de que pertencemos a um mundo e a uma classe que, além de internacional, só será capaz de protagonizar a construção do socialismo, se o compreender como projeto que só pode se concretizar, como a história tem demonstrado, em escala supranacional. Isto exige a busca e a prática constante de parcerias internacionais em torno das lutas concretas dos trabalhadores e trabalhadoras que representamos. Requer que façamos ecoar, sistematicamente, em nossas bases os exemplos e as lutas dos trabalhadores de outros países. Cobra que tomemos como nossa e amplifiquemos a denúncia de cada manifestação de opressão em qualquer parte do mundo. Impõe que sejamos solidários com as lutas dos explorados/as e oprimidos/as de todo o mundo;
m) Ação não corporativista — um sindicalismo conseqüente está sempre preocupado em integrar as lutas de sua categoria com as de outros trabalhadores e trabalhadoras, em apoiar e ser solidário com as lutas de outros segmentos sociais explorados e oprimidos, em intervir na luta política geral do país e buscar trazer para o interior da prática política de sua entidade a valorização e o apoio às lutas do conjunto dos trabalhadores e trabalhadoras;
n) Contra o cupulismo — dentro da visão democrática e socialista que defendemos, um elemento central é o controle da base sobre a vida da entidade e a ação dos/das dirigentes. Neste sentido, são contraditórios com essa visão os movimentos que operam para autonomizacão dos dirigentes e reforçam o poder das cúpulas em detrimento da base;
o) Entidades amplas e plurais – os sindicatos devem se abrir e dedicar parte importante de seu esforço para unir todos os segmentos das categorias que representem, independentemente de terem ou não carteira assinada; do regime de trabalho a que estejam submetidos; se estão em atividade remunerada ou se integram o exército industrial de reserva; se estão na ativa ou aposentados; se têm ou não recursos para arcar com as taxas sindicais. Ademais, o movimento sindical tem que ser plural. O único critério para alguém filiar-se a um sindicato é o de pertencer ao ramo ou à categoria econômica, independentemente do seu nível de consciência, filiação partidária, religiosa etc. Sindicato é distinto de partido político. São dois entes de natureza essencialmente política, mas o primeiro, para ser eficaz, deve ser amplo e plural. Isso não significa, todavia, que os sindicatos, a depender do que esteja em jogo em cada conjuntura, não se pronunciem sobre aspectos, próprios dos partidos, como por exemplo, candidaturas a cargos eletivos. Já o partido político se estrutura a partir da adesão a um programa político e ideológico.
Queremos construir uma central, classista, ampla, plural, democrática, internacionalista, solidária, que tenha a unidade como valor estratégico e desenvolva o sindicalismo a serviço da luta pelo socialismo.
Quanto à natureza e caráter da central, reafirmamos a concepção de central sindical e propomos que o debate sobre a central do mundo do trabalho seja aprofundado na direção do SEPE e a base da categoria, para que os parâmetros desta definição incorpore a diversidade da classe nesta virada de século.
Não concordamos com o modelo implementado atualmente na Conlutas, conhecido como Central Sindical e Popular e nem com outros movimentos que se aparelham dos sindicatos e implementam práticas que se distanciam da concepção e prática sindical que defendemos.
A dinâmica dos movimentos populares (moradia, gênero, raça, ambiental) e estudantil não podem ser simplesmente desconhecidas e anexadas ao movimento sindical. Por trás de um discurso aparentemente mais amplo se esconde uma visão de criação de aparelhos paralelos aos movimentos sociais realmente existentes, como tem sido o debate travado no movimento estudantil e também no movimento de mulheres e de afro-descendentes. Entendemos ainda como essencial para que a nova central tenha o caráter descrito acima que os militantes das diversas correntes que se incluam na esquerda possuam maior grau de unidade e respeito entre si, o que não aconteceu no processo eleitoral do SEPE.
Reconhecemos que a construção de intervenções unitárias faz parte de um processo de convivência e de consolidação dos militantes, por isso devemos experimentar ações conjuntas, fortalecendo o funcionamento dos campos de esquerda no SEPE, estabelecendo canais de negociação com outros setores de forma conjunta, aumentando o poder de influência de nossas proposições junto à categoria.
Quanto ao ritmo de criação da nova central este não é um problema hoje dentre os setores que estão no processo de reorganização. No Seminário Nacional de Reorganização foi consensuado um calendário que aponta para o debate na base, um outro seminário em outubro para avaliar os avanços e discutir a organização de um encontro nacional que tem como data indicativa março de 2010.
A unidade na luta dos setores combativos que integram a direção do SEPE em suas formulações e a mobilização social contra a crise, fator que ajuda a criar um espírito unitário na luta concreta, serão muito importantes neste processo de construção da central que significará a superação das atuais estruturas da Conlutas e da Intersindical.


Julho 2009
Seminário APSEducação

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